Email enviado com sucesso!

close

Contato

arrow_drop_up

secretaria@iappe.org.br

(81) 99982.0032

Artigo

Calamidade Educacional

No início de fevereiro, noticiam os periódicos a volta às aulas da rede de ensino particular formada por aproximadamente 2.437 colégios, onde lecionam 30 mil docentes para um universo de 460 mil alunos que, entre livros, cadernos, máscaras e álcool gel, enfrentarão, mais uma vez, os desafios e riscos gerados pela pandemia na busca pelo bem maior e libertador que é a educação.

Direito fundamental de todos, garantido pela Carta Magna (art. 205), a educação é, depois da própria vida, saúde e liberdade, o bem da vida do qual não podem prescindir, sobretudo, as nossas crianças e adolescentes, uma vez que, o acesso ao conhecimento proporciona, nas palavras do Constituinte, o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, além de viabilizar que nossas crianças “aprendam a aprender”, libertando-se, pois, para uma vida plena e sem limites de qualquer natureza.

Nesse sentido, nossa Constituição delega e, ao mesmo tempo impõe, competência (art. 24, VI) e dever aos Municípios para, manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental, sendo de se destacar, no que toca ao presente texto, que o dever do poder público com a educação será efetivado mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita dos 04 aos 17 anos de idade e de educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 05 anos de idade (art. 208), competindo, prioritariamente, aos Municípios a atuação no ensino fundamental e na educação infantil.

O dever de prover educação é tão impositivo no texto Constitucional, que, além de descrevê-lo, senão quase desenhá-lo, o Constituinte ainda indicou no seu art. 212 os meios de custeio, obrigando o gestor público a aplicar tais receitas na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Para além de todos os efeitos nefastos da pandemia, um dos mais danosos às nossas crianças e adolescentes foi o impacto causado na descontinuidade e instabilidade na rotina de ensino, já se concluindo, mais recentemente, que os danos ultrapassam a esfera educacional e atinge, também, o desenvolvimento cognitivo dos menores. O tema é tão sensível que é alvo de Projeto de Lei na Câmara Federal (PL 5595/20) objetivando vedar a suspensão das atividades educacionais em formato presencial nas instituições de ensino superior públicas e privadas, diante da essencialidade da atividade.

Tal adversidade, em pouco tempo e com ajuda da tecnologia, foi contornada pela capacidade de adaptação da rede privada que se reestruturou para garantir a manutenção do ensino aos seus alunos. De lá pra cá o mundo todo se adaptou e se reinventou para garantir a retomada das mais diversas atividades públicas e privadas aos mais diversos destinatários, destacando-se a chegada da vacina que já imunizou parte substancial da população e crianças, incluindo a totalidade da rede docente.

Não se desconhece, também, o enorme esforço e dedicação das diversas autoridades do Estado para garantir um enfrentamento eficiente da pandemia e suas diversas consequências, privilegiando, sobretudo, a saúde da população, ainda que em detrimento temporário de algumas atividades e rotinas dos cidadãos e empresas. Porém, com a tendência de permanência da pandemia, por um tempo ainda indefinido, é necessário que manutenção e preservação das atividades essenciais como a educação sejam pensadas e tratadas com o máximo de foco, profissionalismo, inventividade e recursos públicos para que se encontrem soluções eficientes, à altura dos desafios, não havendo mais espaço para desculpas protelatórias, em prejuízo à toda uma geração que clama pelo acesso a um direito fundamental.

Ocorre que, com chegada da variante omicrôn e o seu alto potencial de contaminação, há nova tendência de suspensão de algumas atividades, incluindo as de ensino presencial, o que já não ocasiona maiores impactos na rede privada de ensino que fez o seu dever de casa rapidamente, dotando suas estruturas de ferramentas e mecanismos aptos a garantirem o ensino de qualidade através das modalidades presencial, remota e híbrida, minimizando os impactos da pandemia no aprendizado.

No entanto, passados quase DOIS anos do início da pandemia, a rede de ensino fundamental gerida por parcela significativa dos municípios pernambucanos e, provavelmente, brasileiros encontra-se paralisada, ou em regime precário de ensino remoto, completamente (para não dizer totalmente) ineficiente, anunciando nova prorrogação do início das aulas presenciais, escancarando uma das maiores demonstrações de incompetência e irresponsabilidade dos respectivos gestores, em violação clara ao princípio da eficiência administrativa e ao dever constitucional de prover educação pública de qualidade.

A insatisfação dos pais e alunos com o atual estado de inércia ou de embaraço à atividade educacional já começa a desaguar no Poder Judiciário, com medidas voltadas à garantia da retomada do ensino presencial ou híbrido, a exemplo de recente precedente da 2ª Vara de Fazenda Pública da Capital Paraibana, por meio do qual aquele juízo suspendeu os efeitos de autos de infração emanados de autoridades municipais objetivando a aplicação de sanções e interdições contra estabelecimento de ensino, assegurando, assim, o funcionamento das aulas na modalidade presencial nos estabelecimentos autuados, onde restou consignado o seguinte:

“Nesse sentido, é inconcebível que as escolas continuem sendo penalizadas por algo a que, evidentemente, não têm dado causa. Não se pode mais admitir que a educação das crianças e jovens brasileiros seja negligenciada e posta num patamar de importância inferior ao de toda sorte de eventos, onde milhares de pessoas se aglomeram, invisíveis diante dos olhos dos órgãos fiscalizadores

É nesse ambiente sem vigilância que o vírus se prolifera e é levado de fora para dentro da escola. É esse ambiente sem controle que precisa ser monitorado, senão proibido temporariamente. É ali que a fiscalização deve concentrar seus esforços. Não nas escolas, onde, naturalmente há um mínimo de disciplina, suficiente para fazer desse lugar um espaço de fácil controle sanitário.

Fechar a escola e permitir a realização de um show para o qual os jovens estudantes da escola interditada estão autorizados a ir é um absurdo que confronta a lógica; uma inversão aviltante de valores; um atentado ao direito à educação de crianças e adolescentes; uma penalidade que impacta, antes de tudo, o estudante.

Interditar uma escola porque, supostamente, não há distanciamento entre os assentos beira a hipocrisia, na medida em que se permite o acesso e permanência de crianças em praias, shoppings, parques, cinemas, restaurantes e bares, onde a proximidade com outras pessoas a menos de 1 metro de distância é inevitável.” (proc. nº 0805161-09.2022.8.15.2001).

O mesmo raciocínio amolda-se à situação das escolas da rede pública que não encontram mais justificativas suficientes para permanecerem totalmente fechadas, em gravíssimo prejuízo dos seus destinatários finais.

Registre-se que não faltaram recursos públicos para combate à pandemia e investimento em educação, assim como não faltou apoio dos órgãos de controle, sensíveis à necessidade de flexibilização dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que, em seu art. 65 permite, sob a égide do estado de calamidade formalmente decretado, o manejo dos limites de gastos com pessoal, endividamento do ente público, cumprimento das metas fiscais, contingenciamento das despesas e, ainda, quanto a obrigatoriedade das Licitações Públicas e as regras para a contratação temporária de pessoal, razão pela qual, não se justifica o atual estado de precariedade do ensino público infantil e fundamental.

Necessário, pois, o alerta, uma vez que tais gestores não foram capazes de encontrar um meio de prover, em condições minimamente aceitáveis, presencial ou remotamente, o acesso à educação infantil e fundamental, justamente à camada mais vulnerável da população, limitando-se a entregar uma cesta básica por mês aos seus “alunos” para ficarem em casa, condenando uma geração inteira de milhares de crianças a retardarem o seu processo de aprendizado por mais de absurdos dois anos. Quem responderá por tamanha calamidade educacional?

Eduardo Paurá Filho
Advogado

Publicado por: Eduardo Paurá Filho
Em: 18 de fevereiro de 2022

Download PDF

Copyright © 2018 IAP, Instituto dos Advogados de Pernambuco